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People Analytics e Psicologia comportamental, namoro ou amizade?

Na década de 90, um programa apresentado por Silvio Santos, chamado Em nome do amor, promovia o encontro entre casais que até antes de subirem ao palco não se conheciam. No início o grupo de rapazes ficava de um lado e das moças de outro, se observando. Em seguida, dançavam uma música romântica, na qual tinham a oportunidade de trocarem meia dúzia de palavras e fazerem uma breve apresentação. O apresentador provocava os casais com a famosa pergunta “é namoro ou amizade?”. Da mesma forma, este texto tem o objetivo de colocar as duas áreas, people analytics e OBM (psicologia comportamental aplicada nas organizações), frente a frente, permitir um flerte, uma dança e entender se é possível uma intersecção mais ampla entre as duas (namoro) ou se apenas são campos com leves afinidades (amizade).

Nós últimos anos, tem crescido nas organizações uma abordagem de trabalho em gestão de pessoas chamada People Analytics (ou HR Analytics — HRA), que busca trazer as decisões de RH mais para o âmbito da análise de dados do que da intuição, da sensação, do feeling. Entretanto, People Analytics não é apenas decidir com base em dados, ou utilizar dados na gestão de pessoas. A chave desta abordagem é utilizar o método científico nas investigações, análise e decisões sobre a gestão de pessoas. Assim, os dados se tornam essenciais para o trabalho com People Analytics, embora não sejam um fim, mas o meio.

A PWC (PricewaterhouseCoopers Brasil), em uma pesquisa realizada em 2015 sobre HRA (veja aqui) dividiu em quatro etapas os níveis de maturidade de trabalho com esta abordagem. A primeira fase é a de coleta de dados básicos, como sociodemográficos e informações pessoais. A segunda (métrica) é o trabalho com indicadores, como turnover, absenteísmo, produtividade. Na fase seguinte (análise) se iniciaria de fato a HRA, na qual as empresas relacionam dados, fazem análises estatísticas, verificação de hipóteses, dentre outras estratégias para estabelecer uma relação entre uma variável interveniente (na área de pesquisa chamada de variável independente — VI) e outra que sofre alterações quando a primeira muda seu valor (variável dependente — VD). Assim, caso a empresa queira reduzir a rotatividade, poderia analisar quais fatores interferem na sua rotatividade. Uma das formas é a comparação de grupos (desligados e não-desligados) para avaliar se há alguma característica que seja comum dentro de cada grupo, mas que os diferencie um do outro. o que poderia gerar ações na seleção ou no desenvolvimento e políticas de promoção. Outra possibilidade, seria a empresa fazer uma análise mais próxima de métodos experimentais ou quase-experimentais. Caso a hipótese principal seja que a política de benefícios interfere no turnover, a empresa poderia alterar esta política e avaliar se houve mudança na rotatividade. A quarta fase (modelagem) é a utilização do conhecimento produzido por meio das estratégias de investigação para a previsão e planejamento de cenários futuros.

A psicologia comportamental (Análise do comportamental), por sua vez, é uma proposta de abordagem científica da psicologia, nos moldes das ciências naturais. Dentro da Análise do comportamento, a área que se dedica à análise e intervenção no contexto organizacional é chamada de OBM (organizational Behavior Management). A OBM trabalha essencialmente com a modificação de comportamentos que ocorrem no ambiente organizacional, buscando maiores resultados individuais e organizacionais. Como proposta científica, a análise do comportamento nas organizações (nome mais utilizado no Brasil) busca realizar análises e intervenções baseadas em dados, especificamente dados comportamentais. Mesmo havendo outras possibilidades de medida do comportamento, a mais utilizada na área é a taxa de respostas (quantidade de comportamentos que ocorrem em uma determinada unidade de tempo). Boa parte das vezes, o analista comportamental que trabalha em organizações vai buscar alterar determinada taxa de respostas. Em OBM as pesquisas e intervenções priorizam os delineamentos de sujeito único (N=1), mesmo que haja um número maior de pessoas participando da intervenção ou experimento, neste formato os dados de cada um são avaliados e analisados individualmente e não como um grupo.

Hora da dança

Neste resumo reduzido das duas áreas, é fácil perceber que há uma grande afinidade em alguns pontos. As duas propõem uma abordagem científica para a compreensão e intervenção nos fenômenos humanos que ocorrem dentro das organizações. Ambas buscam dados para embasar suas análises. Outro ponto em comum, que não ficou muito explicito acima, é que tanto a OBM quanto a HRA se interessam pelo que chamamos de previsibilidade e controle, ou seja, querem uma compreensão do mundo que permita prever fenômenos ou eventos e alterá-los. Dessa forma, elas investigam relações entre variáveis para que seja possível no presente ou no futuro alterar um determinado resultado (variável dependente — VD), por meio da modificação de uma condição que interfere neste (Variável independente — VI). Além disso, pretendem prever determinados eventos, para que seja possível tomar ações preventivas. Sentiu o clima? Acha que vai dar namoro? Calma! Nem tudo são flores e chocolates nessa possível relação.

Apesar dessa proximidade de objetivos, alguns pontos distanciam os dois campos de trabalho. O primeiro é que a OBM prioritariamente trabalha com delineamentos de sujeito único (N=1), mesmo tendo trabalhos com grupos. A HRA, mesmo considerando relevantes os trabalhos individuais, especialmente para testar hipóteses, está mais interessada em intervenções com amplitude maior, que sejam aplicadas em grupos ou na organização como um todo. Dessa forma, a HRA tem um volume mais denso de modelos de análises correlacionais e estatísticas, para os quais a OBM torce um pouco o nariz. A OBM prioriza a mensuração de comportamentos e avalia, em grande parte das vezes, a interferência das intervenções na taxa de respostas, ou seja, na quantidade de comportamentos que ocorrem em uma unidade de tempo. A HRA, por sua vez, está mais interessada na ampliação do resultado do comportamento do que no aumento da taxa de respostas. Um exemplo prático. É possível pensar em um experimento em OBM que avalie o impacto de um tipo de feedback na quantidade de ligações realizadas por um Call Center ativo, para a HRA, mesmo que esta seja uma informação relevante, é mais importante avaliar o impacto desta intervenção na quantidade de vendas realizadas, ainda que a taxa de respostas (ligações) não se altere.

Nenhum namoro é perfeito e não necessariamente estas diferenças podem inviabilizar uma intersecção maior entre as áreas, pode até aquecer a relação. Algumas destas diferenças podem ser, inclusive, complementares. A HRA tem uma proximidade maior das empresas, bem como uma ampla aceitação n meio empresarial, conseguindo conversar mais com os empresários e diretores. Uma proximidade entre as áreas poderia levar a OBM também para uma maior evidência no mercado, comparada à que tem hoje. A análise do comportamento, por sua vez, pode agregar modelos de investigação e análises muito consistentes ao escopo da HRA, trazendo a esta um refino dos seu formato de coleta e análise de dados.

Independentemente das possibilidades e limitações, o fato é que as duas áreas, mesmo podendo ter uma proximidade maior, não têm se convidado para dançar. Ainda que eu não tenha esgotado a literatura disponível em OBM e em People Analytics, é fácil concluir que as duas áreas não se conversam, ou que, ao menos, se falam pouco. Em nenhum dos textos de referência de cada uma das áreas há a citação da outra. Diante disso, como a troca entre as duas áreas tem sido muito pequena, fica difícil prever se são retas convergente ou paralelas, se será namoro ou amizade. Como interessado nesta união, me resta o papel de cupido, mostrando para uma área como a outra é simpática, como se parecem, se completam e como seria feliz a vida em casal. Nesta empreitada pessoal, acredito que, com um pouco de sorte, em algum momento elas se darão match no Tinder.

PS: Este é um texto livre, mas quem quiser pesquisar um pouco mais sobre as duas áreas, seguem alguma referências disponíveis online.

OBM

https://obmbrasil.wordpress.com/biblioteca-em-obm

http://obmnetwork.com/OBM

http://abpmc.org.br/arquivos/publicacoes/15054303790a9e3cc52.pdf

People Analytics

http://hbrbr.uol.com.br/analisar-talentos-para-competir/

http://hbrbr.uol.com.br/gestao-de-mudanca-baseada-em-dados/

https://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/servicos/assets/consultoria-negocios/people_analytics_15.pdf

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