A Síndrome de Burnout é um distúrbio emocional relacionada ao excesso de trabalho
Talvez você sempre tenha achado bacana ser aquela pessoa extremamente comprometida com os objetivos da empresa, que busca com todas as forças cumprir as regras e, ao mesmo tempo, bater as metas, atingir seus indicadores, gerar o resultado que a organização exige de você. Para isso, muitas vezes, reduz seu horário de almoço, faz horas extras e ocasionalmente leva trabalho para casa, afinal, sacrifícios são necessários. Ao mesmo tempo, a organização te reconhece como um exemplo de dedicação, um profissional a ser seguido, chega até a receber prêmios de reconhecimentos e homenagens. Eu sei que a impressão que você tem é que todo mundo deveria agir assim, que esta é a melhor postura a se tomar no trabalho, mas trago uma notícia que não é muito boa. Você é uma pessoa com forte risco de desenvolver burnout.
O estereótipo de quem acaba desenvolvendo um adoecimento mental é o de uma pessoa com baixa energia para o trabalho, ou aquela que tem baixa produtividade porque não consegue se concentrar, “meio desequilibrada”, usando uma expressão popular. Entretanto, no burnout e em outras categorias de transtornos mentais associados ao trabalho é o excesso de comprometimento, em geral, que está associado a um maior risco de adoecimento.
Para entender esta associação, é preciso compreender o próprio transtorno, suas características e seu desenvolvimento típico. Burnout então é uma síndrome caracterizada por três grupos de sintomas: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional. Exaustão emocional envolve sintomas físicos e psicológicos, como exaustão física, irritabilidade, dores de cabeça, dores no corpo, tensão muscular, dentre outras. Despersonalização diz respeito a um produto da síndrome no qual a exaustão, em geral, leva a um afastamento afetivo das pessoas com as quais convive (pacientes, clientes, colegas e etc). As pessoas que desenvolvem despersonalização passam a tratar os outros com baixa sensibilidade, usando de cinismo, descaso ou pouca empatia. Algumas vezes, esse padrão leva a mais um grupo de sintomas, no qual a pessoa passa a não se sentir realizada com o que faz ou com a própria vida, chamado de baixa realização pessoal ou profissional.
Por que o supercomprometido? Isso tem relação com a gênese da síndrome e não com a configuração final dos seus sintomas. A síndrome de burnout, muitas vezes chamada de síndrome do esgotamento profissional, é o último estágio do processo de estresse patológico relacionado ao trabalho e, assim, não surge de uma hora para a outra. O estresse é uma reação do nosso corpo à necessidade de adaptação. Nas situações do trabalho, o estresse está presente em diversas atividades, seja pela natureza da atividade (como aquelas nas quais se tem um grande contato com pessoas) ou pela estrutura da organização (mudanças constantes no modelo de gestão, na estrutura e etc). Assim, o estresse é algo presente em quase todas as atividades de trabalho, embora seja mais forte em algumas do que em outras.
Nós, em geral, estamos preparados para lidarmos com o estresse, mas para conseguirmos suportá-lo sem caminharmos para um adoecimento mental, precisamos entender como respondemos a ele. Metaforicamente, a exposição ao estresse funciona como os equipamentos elétricos com aquecimento por resistência, como o chuveiro e o ferro elétrico. A resistência é preparada para aquecer ao passar uma determinada corrente elétrica e não se romper, apesar deste aquecimento. No entanto, na medida em que ela vai se aquecendo, há um risco de superaquecer e romper esta resistência ou superaquecer os fios. Assim, para que o equipamento permaneça funcionando e amplie e vida útil do mesmo, é importante que este tenha períodos em que permaneça desligado. Alguns equipamentos, inclusive, possuem um termostato, que faz o equipamento desligar automaticamente ao chegar a determinada temperatura.
Com o estresse é semelhante. Geralmente conseguimos lidar bem com o estresse e ele é importante em vários momentos da vida. Entretanto, para resistirmos a momentos de estresse, este não pode ser constante e é necessário ficar desligado em alguns momentos para não nos queimarmos, para não entrarmos em burnout.
O problema do super comprometido é que, em geral, ele não se desliga, ou se desliga pouco. Dessa forma, vai empilhando várias situações de estresse sem que entre elas se tenha tempo para o corpo se adaptar e se preparar para uma nova situação. O supercomprometido não aceita não atingir um resultado, flexibilizar uma regra, reduzir o ritmo. Funciona sem termostato. No início parece legal, recebe reconhecimento social e se sente um profissional exemplar. O problema é que este empilhamento de estressores vão deixando o profissional um pouco menos preparado para a situação seguinte. Este desgaste ocorre de forma silenciosa, constante e, inicialmente, imperceptível. Depois de algum tempo, os primeiros sintomas começam a aparecer, geralmente de exaustão emocional. Lapsos de memória, cansaço desmedido, dores de cabeça e irritabilidade são alguns dos sintomas iniciais típicos.
Dificilmente o supercomprometido aceita que está exagerando e usa de artifícios para diminuir ou mascarar os sintomas, remédios para dor de cabeças, café e outros estimulantes, ou mesmo o consumo de alguns medicamentos para reduzir a ansiedade. Como o sintoma fica mascarado, as situações e estruturas da tarefa permanecem e a tendência é agravar estes sintomas. Depois disso, outros grupos de sintomas podem se seguir e a pessoa pode passar a tratar colegas e clientes com menor atenção e empatia, inclusive para reduzir a exposição ao estresse, como estratégia de proteção. Em geral, quando o profissional se percebe em exaustão e com as relações desgastadas pela despersonalização, passa a questionar sua satisfação com o trabalho e com a própria vida, gerando mais um grupo de sintomas de baixa realização pessoa. A pessoa pode, ainda, desenvolver outros quadros associados, como depressão e ansiedade.
É possível evitar este adoecimento? Se você se percebe como um supercomprometido, um conselho difícil a seguir é o de não levar tudo tão a sério. Outros pontos, todavia, são mais fáceis de acompanhar ou mudar. O primeiro é evitar fazer horas extras em excesso. O número grande de horas extras diminui o seu tempo fora do trabalho, que seria relevante para reduzir a exposição a estressores. Além disso, cuide do seu tempo fora do trabalho, fazendo atividades que lhe sejam prazerosas e que lhe permitam diminuir esta pressão. Realize atividades de compensação, como atividades artísticas, esportes, meditação ou atividades religiosas. É também de extrema relevância manter-se atento ao surgimento destes sintomas, caso algum deles apareça, reorganize imediatamente sua rotina e não busque caminhos para maquiá-los. Se não conseguir esta reorganização sozinho, busque um profissional da área de saúde mental para lhe ajudar nisso.
Talvez você pense, “ufa! Eu sou muito comprometido, mas não burnout!”. É bem provável que seja verdade, porque uma pessoa com burnout dificilmente leria este texto, pelas próprias características da síndrome, mas isso não lhe garante imunidade e vale seguir as sugestões dadas acima. No entanto, se você já está com sintomas mais avançados, minha sugestão é que busque imediatamente este apoio profissional. Caso conheça alguém com estes sintomas, ajude e incentive esta pessoa a buscar ajuda, porque ele terá mais dificuldade de fazer isso sozinho. Lembre-se de que cada dia que se demora para buscar ajuda pode-se agravar os sintomas ou, na melhor das hipóteses, é um dia a mais com um sofrimento evitável e reversível.
* Aqui, doença, transtorno e síndrome foram tratadas como apenas uma categoria.